sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Bettye LaVette

Snoop gets a clean mouth

Os Velhos e o Mar

Chamo-me Rosa. No asilo temos televisão está tudo limpinho e as pessoas que tratam de nós são gentis e prestáveis. O meu amigo especial é o Raimundo e cada uma de nós velhas tem um. Os primeiros casais escolheram-se, é certo, mas depois toda a gente se agasalhou com alguém. Comecei a gostar dele mal ele veio para cá, chilreava bem, dizia piadas e era bom jogador de sueca. Depois, num dia bonito, pegou-me nas mãos e começamos a namorar. Ele fala dos filhos e dos netos e eu falo dos que já morreram porque são os únicos que eu tenho. Deixem-me contar-vos de como estou ansiosa por ver o mar e porque nunca o vi. Nasci com mazela nas pernas e nunca andei bem, cuidei da minha mãe até ela morrer, e depois das minhas duas irmãs até elas irem para Nosso Senhor. Depois morreu o cão, as pernas pioraram e resolvi vir para aqui. Raimundo, que andou mais pelo mundo, outro dia quando veio a carrinha do peixeiro amparou-me até lá fora e eu meti a cara lá dentro. - “É este o cheiro do mar, só que mais forte.” - Disse-me ele. Por isso o cheiro, eu sei mais ou menos, mas nunca me molhei, nunca, nem sei que azul é que é. As outras deram-me um fato de banho de presente e chamam-me a garota do mar. Malas e farnéis gritos e risos e chegámos á praia. Comecei a ver o mar ao longe como um prado de trigo azul. Depois dum almoço cheio de marisco fresco como eu nunca tinha comido, o Raimundo levou-me á praia para longe das dunas para dentro das rochas ricas em lapas e mexilhões. Porque cada vez ando pior ele pegou em mim ao colo e depois pousou-me num sítio entre duas pedras. A areia deslizou pelas minhas mãos e era fina e fugidia, e a água mordeu os meus pés com uma doçura morna. Era meio da tarde o sol cuidava de todos nós. Reparei como os olhos do Raimundo eram azuis; ele respondeu com grosso humor que era do Viagra. Depois beijou-me e eu deixei-me ir, lenta mas seguramente o meu corpo e o dele foram-se unindo, a areia banhou os nossos músculos cansados, a doçura pacífica das nossas carnes. O mar abraçou os nossos abraços. As gaivotas voavam curiosas. Ao carregar-me de volta para a excursão Raimundo perguntou-me: - “gostaste do mar?” – eu acenei que sim e ele disse com um sorriso maroto –“havemos de vir mais vezes”.

Títulos:

Romântico – A Rosa do mar
Neo-realista – Rosa 70
Pós-moderno – Rosa 70 Raimundo 72

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

terça-feira, 13 de novembro de 2007

White Rabbit

Pimpinelo Rojão


"Não custará acreditar que a prática da natação sobreviveu até à época do homo erectus; sabemos por experiência própria que sobreviveu até ao tempo do homo sapiens. As pessoas abastadas bastante para poderem idealizar os locais onde habitam constroem casas de banho e chuveiros e piscinas e passam as férias perto do mar. Uma vez aí exibem a tendência talassotrópica que fascinou Robert Frost:

As pessoas ao longo da areia
Viram-se e olham todas na mesma direcção.
Viram costas à terra
Olham para o mar o dia inteiro.(…)

Uma tal preferência parece-nos “apenas natural – faz parte da natureza humana”. Mas porquê? Ela não faz parte da natureza dos primatas. Se descendêssemos meramente de um símio arborícola encalhado, os nossos instintos atávicos deviam inflacionar os preços dos hotéis com vista para a floresta, e as pessoas instalar-se-iam às centenas nas suas espreguiçadeiras para contemplar as árvores o dia inteiro.”

A Hipótese do Símio Aquático, Elaine Morgan, Lisboa, Via Óptima, 2004



Nota de Alien Taco - Este livro foi-me oferecido por Pimpinelo Rojão, por ocasião do seu 90º aniversário, em Berças de Trasco, uma remota cidadela na Terra Média. Na festa apenas eu, cinco minhotas sem buço vagamente vestidas e Pimpinelo. Com os dentes cheios de arroz de sarrabulho ele disse-me: “toma tens que ler isto. Afinal há quem ache que viemos da água. Símios aquáticos, extraterrestres; Deus, donde viemos nós, afinal?”- foi a pergunta de Pimpinelo enquanto se alambazava de pudim de ovos com fios dos mesmos. Eu lá li o livro do velho Rojão e agora partilho convosco este texto do dito. Pimpinelo trabalhou nos caminhos-de-ferro como comboio durante setenta e cinco anos, reformou-se há 25 e espera viver até aos cem na sua quintarola de Berças de Trasco, rodeado de gnomos de jardim e muita carne de porco. O seu lendário apetite por cultura levou-o a criar a sua própria companhia teatro: “Os Fémures da Barcarola” e uma editora a Trambolho de Bolso. No fim da festa já adornado pela bebida com olhos flamejantes disse-me : “cá para mim o segredo está na ilha de Páscoa. Esses é que sabiam.” E foi com esta enigmática e bêbada frase que se despediu emocionado o meu velho amigo Pimpinelo Rojão, o perseverante procurador do sentido e da origem do seu semelhante e dos doces conventuais.

domingo, 11 de novembro de 2007

BREATHE IN, BREATHE OUT

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Gabardina marota


Olhai senhoras
Só tenho gabardina
Admirem o meu amigo
Ele gosta de vocês

Brandão Broa


Nota de Alien taco – A última vez que vi Brandão Broa, pedi-lhe para escrever um curto poema sobre a sua mania de se exibir nu no metro á frente de mulheres. Brandão, que não distingue um livro dum televisor avariado, lá escrevinhou umas garatujas nuns guardanapos á custa dumas bujecas e sandes de bucho. Ao sair do café, de meia desportiva e longa gabardina beije, não pude deixar de admirar o seu porte de marreco misturado com espremedor de sumos. Ao longe acenou-me e disse: "tenho que ir são seis horas, hora de ponta”.
Brandão Broa: um dos muitos estranhos a quem urge dar voz uma vez que o resto toda a gente com um pouco de sorte pode ver no metro.




William Burroughs NIKE CM

domingo, 4 de novembro de 2007

Material do Magalhães




Boetelho, o Bola de Pintelho
Poema dramático por Hermengardo D´Antas


Boetelho pinta uma cara de moçoila
Com restos de corpete, boquilhas e frascos de xarope
Embebido de Borgonha encosta-se á ideia de sugar das coisas
A cara congestionada de bons ares
Ah lavradora fumadora apertada
Uma xaropada é o que é
É tudo mentira
Porque a dobra dum corpete faz um olhar estrábico
Do frasco de xarope sai um broche
E uma das boquilhas muda-se para clister
É mais um artista que gosta de fita.
Mais um poltrão destinado a ficar na fila do purgatório
Indeciso
Coxo das mãos e senhorio dos olhos
Perdido, clama que o deixem pintar até ao fim
Nesse instante miríades de pintelhos avançam pelo desterro
Gritando Boetelho !Boetelho!
Viemos por ti!
Num instante transformam-no numa bola de pelo mal cheirosa.(Misto de pito e colhão)
E agora gritou Boetelho ?
E agora?
Como vou eu aparecer, assim peludo, á Senhora de Vila Meã?


Cai o pano.

Nota de Alien Taco – Hermengardo D´Antas vive há já largos anos no Magalhães Lemos onde convive diariamente com três coronéis Kurtz um Napoleão clássico e uma data de sinaleiros. As suas grandes influencias são Arcimboldo, filmes de Kung-fu, Bocage e a obra completa de Swedenborg. Recebi este poema das mãos trémulas de Hermengardo enquanto me sussurrava que eu era bom rapaz. Quando me mimam não sei recusar e o velho D´Antas pediu-me para postar este conjunto de palavras e assim o fiz. A opção do poster ilustrativo foi minha. Hermengardo D`Antas entregou-me o poema escrito na parte de baixo duma caixa de bolo de aniversário.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Coisas de antanho


Antre nós dar arrotos à mesa diante dos hóspedes

se tem por mau ensino;

Em Japão é muito corrente e nenhum caso fazem disso.



Em Europa procuram clareza nas palavras e fogem

da equivocação;

em Japão as equívocas é a melhor língua e são as mais

estimadas.




Em Europa ordinariamente as mulheres fazem

de comer;

em Japão o fazem os homens, e os fidalgos têm

por primor i-lo fazer à cozinha.

Tratado em que se contêm muito sucinta e abreviadamente algumas contradições e diferenças de costumes antre a gente de Europa e esta província de Japão. (...)

Feito em Canzusa aos catorze de Junho de 1585 anos - Padre Luís Fróis