quarta-feira, 11 de julho de 2007

Pessegada





Uma pobre metáfora para ilustrar o processo de insanidade. Um homem caminha por entre duas paredes altas como o céu. No fim do corredor brota escassa fonte de luz. Isto é merda, paleio de sonho. Ser doido é um trabalho a tempo inteiro. Começa de manhã mal se acorda e a torneira se transforma em copo na mão. Estas alturas onde a água, a torneira e o copo são um todo. Estas pequenas coisas, como o cheiro das pessoas na rua, misturado com gasolina, flores e merda de cão, sempre tudo junto em doses precisas de uniformidade como uma barreira. E depois às vezes a rádio liga-se ao barulho de fora como uma torrente despejada pela tromba sónica de uma orquestra. Tenho um pressentimento que as coisas não são as coisas que eu vejo, mas outras. Cheira-me que na verdade nunca vi nada. E depois as vozes; costumava ser só uma como no coro isabelino, mas regredi no tempo e agora tenho um coro grego só para a minha fodida mioleira. E depois no supermercado há tantos pêssegos todos iguais nas caixinhas, como as caixas que se sentam na caixa. Todas vestidas de igual como os pêssegos. Tudo se encaixa. Tudo é falso. Mas hoje comprei uma caixa de pêssegos e vou pedir à minha mulher que mos cobre como uma caixa cobra. E fará de caixa para mim. Quanto aos pêssegos faz-se mousse. Funcionam como pré-texto.




Psi - A. T., porque insiste em dar pêssegos á sua mulher no pré-texto? Parece-me que está a assumir uma posição de pagador, vê as mulheres como algo que se compra?


Alien Taco - A doutora está delicadamente a perguntar-me se eu vejo as mulheres como putas?


Psi - Sim, postas as coisas assim...


Alien Taco - Não as vejo (ás mulheres) como coisa nenhuma, vejo uma de cada vez como um ginecologista e, neste caso, considerei a minha oferta como um complemento de ternura. Se tivesse mais dinheiro, dava-lhe duas caixas.


Psi - Você refere claramente a importância de ela lhe cobrar os pêssegos?


Alien Taco - Faz parte da fantasia, doutora. Estamos nus e sozinhos no supermercado e eu compro-lhe os pêssegos; é parecida com a do Pai Adão só que eu prefiro nectarinas a maçãs.


Psi - No supermercado tudo é igual, a torneira e o copo formam um todo, fala em barreira torrente. Sente-se afastado ou isolado?


Alien Taco - Não, o mundo é um sítio isolado, eu por acaso vivo cá.


Psi- Nas primeiras vezes falou de uma voz ténue, agora fala-me de um coro. Ouve mais vozes agora?


Alien Taco - Oh, sim e cantam bem. Soam como caixas registadoras de fundo lírico. De facto, eu gosto das minhas vozes; sem elas eu seria como você. Um ser racional que ganha a vida como bruxinha de Freud.


Psi - Noto desde o início uma certa má vontade da sua parte, estou aqui para o ajudar.


Alien Taco - Eu acho que você não me pode ajudar.


Psi - Mas...Então porque continua a vir às sessões?


Alien Taco - Não sei, devo ser doido.